segunda-feira, 26 de março de 2012

O indivíduo sem sociedade

Uma das teses que sobressai do muito bom texto de Franco Cassano é a da incorporação psíquica, por parte significativa dos mais pobres e das classes médias (média baixa e média), da crença de que é possível integrar-se à elite – ou pelo menos estar próxima dela - aplicando-se no trabalho tal qual alguns de seus expoentes dizem ter-se aplicado, e dedicando-se por horas aos estudos e aulas de qualificação e requalificação profissionais.

De igual forma, é possível incorporar-se à elite pensando e sentindo tal qual ela pensa e sente, e absorvendo as teses expressas por pretensos sapientes que lhes defendem os interesses mesquinhos em imagens, sons, letras e símbolos.

Franco Cassano não diz isso da forma tal qual fiz nos dois parágrafos supra, mas creio que o que escrevi também se insere em sua tese. Abaixo transcrevi alguns trechos (colocados entre aspas) do muito bom texto publicado no sítio da Carta Maior.

"Mas seria profundamente equivocado limitar-se a observar só o que acontece nas altas camadas da sociedade, o conflito entre as elites. Se a contraofensiva liberal tivesse ficado nas instâncias do novo poder não teria conseguido se afirmar, como aconteceu depois, e teria se encontrado diante de uma imensa massa de inimigos. Em vez disso, ela desbaratou o adversário porque se mostrou capaz de produzir uma forte e capilar hegemonia. A grande narrativa que ela propõe sabe falar também ao povo, porque colocou no centro do imaginário o tema da afirmação individual, do sucesso: para realizar os nossos sonhos, não precisamos dos outros, mas só de uma grande confiança em nós mesmos. O vínculo com os outros pode apenas nos bloquear, enquanto, se formos completamente indivíduos, um mundo inteiro está à disposição".

"A sociedade não existe, existem apenas os indivíduos", dizia Thatcher, e a única mediação possível entre indivíduos sozinhos diante do próprio destino é a do mercado. O primado do mercado une os capitais sem fronteiras e os sonhos dos indivíduos."

"Os projetos e o coração dos homens se transmigraram para fora da política. A esta última cabe apenas a tarefa de garantir a liberdade de movimento dos indivíduos e das mercadorias, e um grau mínimo de ordem pública. A sociedade civil não é mais o lugar de formação das demandas coletivas, mas sim a trama dos interesses privados, não é a ágora (vide significado de ágora), mas sim o mercado."

"Mas, depois de três décadas de hegemonia incontestada, esse tratamento fundamentado na liberdade dos capitais e do indivíduo, começa a dar sinais de desgaste. A nossa sociedade é atravessada por dilacerações e por desigualdades crescentes produzidas em grande parte pelos jogos imprudentes do capital financeiro. Mas a hegemonia liberal começa a se desgastar também nas camadas baixas, porque a carta do individualismo não consegue mais suportar o peso que lhe foi descarregado em cima, não consegue mais subir mais o plano inclinado das desigualdades crescentes. Certamente, ela ainda consegue manter os homens longe uns dos outros, impedir que reconheçam o que eles têm em comum, mas remunera cada vez menos."

"... a irresponsabilidade do capital financeiro tornou-se indecente, e a timidez com que ela é enfrentada pelos governos do mundo é cada vez menos aceitável."




Aos poucos que visitam este blogue e acessam os textos que recomendo coloco o link para o texto de Franco Cassano na íntegra, ou, se preferirem, digitem em algum sistema de busca as palavras-chave “Assim o indivíduo sem sociedade anulou a política”, seguido de “Carta Maior” e acessem o texto através desse meio.



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